Segurança de alimentos no processamento de carnes: desafios e soluções

A segurança de alimentos é uma área de extrema importância na garantia da qualidade e integridade dos alimentos que consumimos. Refere-se às medidas e práticas adotadas para prevenir riscos e assegurar que os alimentos sejam seguros, livres de contaminantes e adequados para o consumo humano e abrange uma série de aspectos, desde a produção e processamento até o momento em que os alimentos chegam à mesa do consumidor. Envolve a qualidade dos alimentos desde sua manipulação e preparo até o consumo, assegurando que estejam livres de contaminantes químicos (resíduos de defensivos agrícolas e metais pesados), físicos (partes de pedras e insetos) e biológicos (bactérias) que possam comprometer a saúde do consumidor.

Entretanto, entregar um produto de qualidade com segurança alimentar não é uma tarefa fácil. É fundamental implantar programas de gestão de qualidade e segurança de alimentos para assegurar a comercialização de produtos seguros. Todos os estabelecimentos envolvidos na manipulação e comercialização de alimentos devem desenvolver seu próprio Manual de Boas Práticas de Manipulação, seguindo as diretrizes estabelecidas pelas Portarias nº 1428/1993, nº 326/1997 e RDC nº 216/2004. Além disso, é essencial fornecer treinamento aos funcionários sobre os procedimentos operacionais de boas práticas de fabricação, enfocando a importância dessas práticas para a segurança do produto e do consumidor. A cultura de segurança alimentar deve ser disseminada de forma clara entre todos os colaboradores, com o apoio constante da alta direção das empresas. Dessa forma, podemos garantir que alimentos seguros e de qualidade cheguem às mesas de todos os consumidores.

No que diz respeito ao mercado de processamento de carnes, os players dessa cadeia enfrentam desafios que se agravaram ainda mais em 2020, devido à vulnerabilidade causada pelo coronavírus. Nesse contexto, a segurança alimentar desempenha um papel crucial, tanto para os consumidores, ao proporcionar alimentos seguros, quanto para os produtores, ao agregar valor e qualidade aos seus produtos.

DESAFIOS:

  • Contaminação microbiana:

Se manejada incorretamente, o produto cárneo se torna mais suscetível à contaminação por alguns microrganismos patogênicos, como Salmonella, E. coli e Listeria, que representam sérios riscos para a saúde humana.

A Salmonella é uma bactéria encontrada principalmente em alimentos de origem animal, como carnes, ovos, aves e laticínios. A infecção por Salmonella pode causar sintomas como diarreia, vômitos, febre e dores abdominais, sendo mais grave em crianças, idosos e pessoas com sistema imunológico comprometido.

A E. coli (Escherichia coli) é uma bactéria que pode ser encontrada no trato intestinal de animais, incluindo bovinos. Algumas cepas de E. coli, como a E. coli O157:H7, podem produzir toxinas perigosas para os seres humanos. A infecção por E. coli pode causar sintomas gastrointestinais, como diarreia com sangue, cólicas abdominais e febre. Em casos graves, pode levar a complicações graves, como a síndrome hemolítico-urêmica (SHU), que pode resultar em insuficiência renal e outros danos aos órgãos.

A Listeria monocytogenes é uma bactéria que pode ser encontrada em diversos ambientes, incluindo o solo, a água e alguns alimentos. Ela pode se multiplicar em temperaturas refrigeradas, o que a torna uma preocupação em relação a alimentos prontos para consumo, como carnes processadas e queijos macios. A infecção por Listeria pode causar sintomas semelhantes aos da gripe, mas em casos mais graves pode levar a meningite, septicemia e complicações em grupos de risco, como mulheres grávidas, recém-nascidos, idosos e pessoas com sistema imunológico enfraquecido.

Você deve estar se perguntando: “Como eles foram parar na minha carne?”

Esses microrganismos causadores de doenças podem ser introduzidos na cadeia da carne de diversas maneiras. Durante o abate, podem ocorrer contaminações por meio das fezes dos animais, que podem entrar em contato com a carne. A manipulação inadequada, tanto por parte dos trabalhadores quanto dos consumidores, pode levar à contaminação cruzada, em que os microrganismos são transferidos de superfícies contaminadas para a carne. Além disso, condições inadequadas de higiene e refrigeração durante o processamento, armazenamento e transporte da carne também podem favorecer o crescimento desses patógenos.

Essas bactérias possuem mecanismos de resistência, como a formação de biofilme, a resistência ao calor e a ambientes ácidos, o que aumenta as chances de contaminação e propagação de doenças, por isso é importante adotar medidas rigorosas de controle e higiene em todas as etapas da cadeia de produção de carne, incluindo boas práticas de higiene, monitoramento microbiológico e treinamento dos profissionais envolvidos. Isso garante a redução do risco de contaminação microbiana e a produção de carne segura para o consumo.

  • Uso de medicamentos veterinários:

Os medicamentos veterinários são utilizados para tratar e prevenir doenças nos animais de produção. No entanto, é fundamental que esses medicamentos sejam utilizados de forma responsável, seguindo as recomendações de dosagem e tempo de carência estabelecidos pelos órgãos reguladores.

A presença de resíduos de medicamentos veterinários na carne pode representar riscos à saúde humana caso essas substâncias não sejam adequadamente eliminadas do organismo dos animais antes do abate. Alguns medicamentos podem deixar resíduos que podem ser prejudiciais ao ser humano.

Os antibióticos são usados para tratar infecções bacterianas nos animais, mas quando presentes em níveis acima dos limites estabelecidos, podem contribuir para o desenvolvimento de resistência antimicrobiana em humanos. A resistência antimicrobiana é um problema global de saúde pública, pois torna mais difícil tratar infecções causadas por bactérias resistentes a medicamentos.

A análise e o controle de resíduos de medicamentos veterinários na carne são realizados por meio de testes laboratoriais específicos. Essas análises são essenciais para verificar se os produtos de origem animal estão em conformidade com os padrões de segurança estabelecidos. Caso sejam detectados resíduos acima dos limites permitidos, medidas corretivas devem ser adotadas para garantir a segurança dos alimentos.

  • Fraudes alimentares:

A adulteração e a falsificação de carne representam desafios significativos para a segurança alimentar. Essas práticas enganosas comprometem a qualidade e a integridade dos produtos cárneos, colocando em risco a saúde dos consumidores. A adulteração ocorre quando há a substituição de espécies de carne, uso de ingredientes de baixa qualidade e manipulação enganosa, com o objetivo de aumentar os lucros dos fabricantes.

As fraudes em alimentos podem assumir diferentes formas, como adulteração, falsificação, alterações nas fórmulas, ocultação e rotulagem incorreta. Essas práticas têm o intuito de atribuir ao produto características que ele não possui, geralmente utilizando ingredientes mais baratos e de menor qualidade do que o declarado. Isso não apenas prejudica a confiança dos consumidores, mas também pode comprometer a segurança alimentar.

Embora todos os tipos de alimentos possam ser alvo de fraude e adulteração, existem aqueles que são mais comumente falsificados. Isso ocorre devido à facilidade de adulteração, ao alto custo de produção ou a outros fatores que tornam esses alimentos mais vulneráveis a práticas enganosas. É essencial que os consumidores estejam atentos à procedência dos produtos que adquirem e busquem por certificações de qualidade e rastreabilidade, a fim de garantir a autenticidade e a segurança dos alimentos que consomem.

Para combater essas práticas fraudulentas, é fundamental a atuação conjunta de governos, indústria alimentícia e órgãos reguladores. O estabelecimento de normas e regulamentações mais rigorosas, a implementação de sistemas de rastreabilidade e a intensificação dos programas de controle e fiscalização são medidas necessárias para assegurar a integridade dos produtos cárneos.

A conscientização dos consumidores também desempenha um papel crucial na prevenção da fraude alimentar. É importante que os consumidores se informem sobre os riscos associados à adulteração e falsificação de alimentos, verifiquem os rótulos dos produtos, conheçam a procedência dos alimentos que consomem e optem por fornecedores confiáveis e estabelecidos.

A garantia da segurança alimentar depende da colaboração de todos os elos da cadeia produtiva, desde os produtores até os consumidores. Somente por meio de ações conjuntas e medidas eficazes de controle e prevenção será possível mitigar os riscos de fraudes alimentares, protegendo a saúde e o bem-estar dos consumidores.

  • Higiene e saneamento:

A ausência de boas práticas de higiene e saneamento nas instalações de produção, processamento e armazenamento pode levar à contaminação cruzada e à disseminação de patógenos na carne.

A contaminação cruzada é um conceito importante, entretanto, muitas pessoas desconhecem como ela ocorre em estabelecimentos de alimentação e indústrias. Em essência, envolve a transferência de microrganismos patogênicos (ou seja, microrganismos capazes de causar doenças) de um alimento infectado para outro alimento não infectado. Isso também pode ocorrer por meio de utensílios e equipamentos usados no preparo de diferentes alimentos, sem a devida higienização entre eles.

Por exemplo, ao manipular um pedaço de proteína animal em uma tábua de corte e, posteriormente, usar a mesma tábua sem lavar para manipular vegetais, pode ocorrer a contaminação cruzada. Nesse caso, os microrganismos patogênicos presentes na proteína animal podem infectar os vegetais. Essa transferência de agentes patogênicos entre diferentes alimentos resultou no termo “contaminação cruzada”.

Para prevenir a contaminação cruzada, é essencial adotar medidas de higiene adequadas. É importante garantir a limpeza e a desinfecção adequadas dos utensílios, superfícies e equipamentos utilizados na manipulação de alimentos. Recomenda-se o uso de tábuas de corte distintas para alimentos crus e cozidos, assim como utensílios e facas diferentes para cada tipo de alimento. Além disso, é fundamental lavar as mãos regularmente durante o preparo dos alimentos, especialmente ao alternar entre ingredientes crus e cozidos.

Existem dois principais tipos de contaminação cruzada:

  • Contaminação cruzada direta: ocorre quando a contaminação se dá diretamente de um alimento infectado para outro. Por exemplo, se uma faca usada para cortar carne crua for utilizada para cortar vegetais sem ser devidamente higienizada, ocorre a contaminação direta dos vegetais pelos microrganismos presentes na carne crua.
  • Contaminação cruzada indireta: ocorre quando um alimento é contaminado por meio de uma superfície ou utensílio infectado. Por exemplo, se uma bancada de trabalho não for adequadamente higienizada após o manuseio de carne crua e, em seguida, frutas forem cortadas nessa mesma superfície sem serem lavadas, ocorre a contaminação indireta das frutas pelos microrganismos presentes na bancada.

É fundamental compreender e aplicar práticas de higiene adequadas para evitar a contaminação cruzada e garantir a segurança alimentar. Ao adotar medidas preventivas, como a segregação de alimentos, a correta higienização de utensílios e a manutenção da limpeza das áreas de preparo, é possível minimizar os riscos de contaminação cruzada e preservar a qualidade e a segurança dos alimentos consumidos.

Em contrapartida, existem diversos mecanismos e programas essenciais para garantir a segurança alimentar ao longo da cadeia de produção e processamento de carne. O primeiro deles são os Programas de Boas Práticas Agropecuárias (BPA), que englobam o manejo adequado dos animais, fornecendo condições higiênicas, controle de doenças, nutrição adequada e acesso a água limpa. Essas práticas visam garantir a saúde e o bem-estar dos animais, contribuindo para a qualidade e segurança da carne produzida.

Na indústria de processamento de carne, medidas rigorosas de higiene e controle de qualidade são adotadas para prevenir a contaminação microbiana. Essas medidas são conhecidas como Boas Práticas de Fabricação (BPF) e incluem a limpeza regular das instalações, o treinamento dos funcionários em higiene pessoal, o uso de equipamentos adequados e a implementação de procedimentos de controle de qualidade. O cumprimento rigoroso das BPF é fundamental para garantir que a carne seja produzida em um ambiente sanitário e seguro, minimizando o risco de contaminação.

Outro sistema essencial é o Sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC). Esse sistema é obrigatório para fabricantes de alimentos e estabelece medidas preventivas para identificar, avaliar e controlar os perigos que podem afetar a segurança alimentar. O APPCC envolve a identificação dos perigos, a determinação dos pontos críticos de controle, a implementação de medidas preventivas e o monitoramento contínuo para garantir a eficácia das ações de controle. Sua implementação é regida por normas e regulamentações específicas, como a Portaria 1428 de 1993 do Ministério da Saúde e a Portaria 46/1998 do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA).

A rastreabilidade também desempenha um papel fundamental na segurança alimentar da carne. Ela permite a identificação da origem e do histórico do produto, desde sua produção até o consumidor final. Com a rastreabilidade, é possível rastrear problemas de segurança alimentar, como surtos de doenças ou contaminação, e tomar medidas corretivas imediatas. Através de um sistema de rastreabilidade bem estabelecido, baseado em padrões globais, é possível garantir o acesso a informações precisas do produto em todas as etapas da cadeia de suprimento, promovendo a transparência e a confiabilidade para os consumidores

Além disso, a tecnologia está avançando cada dia mais e é uma forte aliada para a garantia de produtos seguros para o consumo. Podemos incluir algumas delas como a aplicação de calor, utilização de aditivos químicos, uso de embalagens à vácuo, processos de cura, entre outros. Faz-se necessária a utilização estratégica dessas novas ferramentas por parte de produtores, indústria e varejos para gerenciarem a qualidade e segurança dos alimentos.

A aplicação de calor é um dos métodos mais comuns para garantir a segurança dos alimentos. O calor é capaz de destruir microrganismos patogênicos, como bactérias, vírus e fungos, que podem estar presentes nos alimentos. A cocção adequada dos alimentos, como o cozimento de carnes e a fervura de alimentos em geral, ajuda a eliminar esses microrganismos e reduzir os riscos de doenças transmitidas por alimentos.

Os aditivos químicos também desempenham um papel importante na segurança alimentar. Alguns aditivos, como conservantes e antioxidantes, são adicionados aos alimentos para prevenir o crescimento de microrganismos indesejados e prolongar a vida útil dos produtos. Além disso, aditivos como os antimicrobianos ajudam a inibir o crescimento de bactérias e outros microrganismos nos alimentos, garantindo a segurança microbiológica.

As embalagens à vácuo são amplamente utilizadas para proteger os alimentos da contaminação e deterioração. Ao retirar o ar da embalagem, cria-se um ambiente livre de oxigênio, o que dificulta a sobrevivência de microrganismos aeróbicos, como bactérias. Essas embalagens também evitam a entrada de microrganismos e contaminantes externos, mantendo a qualidade e segurança dos alimentos por um período mais longo.

Os processos de cura, como a salga e defumação, são tradicionalmente utilizados para preservar alimentos, especialmente carnes. Esses métodos envolvem a aplicação de sal ou outros ingredientes na superfície dos alimentos, o que ajuda a reduzir a atividade de microrganismos e a prolongar a vida útil dos produtos. Além disso, a defumação também tem propriedades antimicrobianas que auxiliam na segurança dos alimentos.

É importante ressaltar que todas essas estratégias e tecnologias devem ser aplicadas de acordo com regulamentações e boas práticas de fabricação. A indústria alimentícia deve seguir normas e padrões de segurança estabelecidos pelos órgãos reguladores, garantindo que os alimentos sejam produzidos, processados, embalados e armazenados de maneira segura para o consumo.

Portanto, a segurança de alimentos é uma preocupação essencial em todas as etapas da cadeia alimentar, desde a produção até o consumo. É de responsabilidade conjunta dos produtores, indústrias, reguladores e consumidores garantir que os alimentos sejam seguros, livres de contaminantes e adequados para o consumo humano.

Para enfrentar esses desafios, é necessário adotar medidas preventivas e estratégias de gestão de riscos em toda a cadeia alimentar. Isso inclui a implementação de boas práticas de higiene, o uso adequado de agroquímicos, o controle de qualidade, a rastreabilidade dos alimentos, a educação e conscientização dos consumidores, bem como a regulamentação e fiscalização eficazes.

Avanços tecnológicos também desempenham um papel fundamental na segurança de alimentos, permitindo o desenvolvimento de métodos de detecção mais precisos, sistemas de monitoramento em tempo real e rastreamento mais eficiente dos alimentos ao longo da cadeia de suprimentos.

Em última análise, a segurança de alimentos é essencial para proteger a saúde pública, promover a confiança dos consumidores e garantir o acesso a alimentos seguros e nutritivos. Somente por meio do comprometimento de todos os envolvidos, desde a produção até o consumo, podemos alcançar uma cadeia alimentar segura e sustentável.

REFERÊNCIAS

Contaminação cruzada: o que é e como prevenir na indústria de alimentos”. Disponível em < https://blog.ifope.com.br/contaminacao-cruzada/#:~:text=A%20contamina%C3%A7%C3%A3o%20cruzada%20%C3%A9%20a,alimento%20que%20n%C3%A3o%20esteja%20contaminado>.

Food Fraud: o que caracteriza as fraudes de alimentos”. Disponível em <https://blog.ifope.com.br/food-fraud>.

“O que é o Sistema APPCC (HACCP)”. Disponível em <https:/ /www.gov.br/siscomex/pt-br/servicos/aprendendo-a-exportarr/conhecendo-temas-importantes-1/sistema-appcc-haccp>.

“Principios básicos del sistema de APPCC”. Disponível em <http://www.fao.org/docrep/005/Y1390S/y1390s09.htm>.

Rastreabilidade”. Disponível em < https://www.gs1br.org/codigos-e-padroes/o-que-voce-precisa/rastreabilidade>.

Segurança alimentar no processamento de carnes: Quais medidas adotar?”. Disponível em <https://www.foodconnection.com.br/proteina-animal/seguran-alimentar-no-processamento-de-carnes-quais-medidas-adotar>.

Segurança Alimentar x Segurança de Alimentos: Saiba a diferença entre esses dois termos”. Disponível em < https://nutmed.com.br/alimentacao-coletiva/seguranca-alimentar-seguranca-de-alimentos-diferenca/>.

Escrito por: Daniela Rossi

Colaborador: Bianca Torin

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